fonte: Folha de SP
por Marcelo Leite
Uma coisa que tem pipocado nesse frenesi do surto de zika é apontar como causa direta o aquecimento global. Pode até ter concorrido para isso, mas ainda estamos longe de poder afirmar o nexo entre uma coisa e outra.
A lógica por trás da hipótese tem por foco o mosquito Aedes aegypti. O vetor, afinal, precisa de um mínimo de duas coisas para se reproduzir: água e calor.
Com a mudança do clima, ambos os fatores devem se tornar mais abundantes em várias partes do mundo. O aumento da temperatura média ajudaria a ampliar as áreas de distribuição do mosquito pelo planeta, ao mesmo tempo em que acarreta aumento de precipitação (mais calor, mais evaporação e mais chuva).
No entanto, nem tudo que faz sentido ou parece verossímil é verdadeiro. Tem de provar.
Por mais que amigos ambientalistas queiram acreditar na hipótese, conveniente para dramatizar sua causa, dá-la por confirmada nas redes sociais e alhures não difere muito de atribuir a epidemia a mosquitos transgênicos, larvicidas ou vacinas. Vamos devagar com o andor.
Não se exclui que o Aedes tenha ganhado o mundo com ajuda do aquecimento global, mas certamente pesou muito o aumento do comércio e das viagens internacionais. Sem aviões, nem o inseto nem pessoas infectadas chegariam tão rápido a todos os cantos do planeta.
O zika se espalhou em lugares como o Brasil porque o mosquito já estava aqui, muito bem instalado. Espalhando a dengue, aliás, que infectou 1,5 milhão de pessoas e matou 800 em 2015.
É verdade que a explosão de casos de microcefalia associada com os casos de zika abre uma perspectiva um tanto apavorante, sobretudo no plano individual. Na escala social, porém, é com a dengue que as autoridades de saúde pública devem preocupar-se prioritariamente.
Quem, no entanto, tem os meios e a coragem de adotar metas mais ambiciosas de universalização do saneamento básico no Brasil? Os EUA têm oAedes e casos de dengue, agora também de zika, e não têm epidemias.
No Brasil, onde há muito esgoto a céu aberto e muita gente precisando estocar água, além de pouco ar condicionado e poucas telas nas janelas e portas, é mais fácil prometer o impossível (vacina contra zika em um ano) e culpar o aquecimento global pela nossa falência como sociedade civilizada.
Não custa nada. Só mais atraso.
MARCELO LEITE é repórter especial da Folha, autor dos livros ‘Folha Explica Darwin’ (Publifolha) e ‘Ciência – Use com Cuidado’ (Unicamp).